sexta-feira, 13 de março de 2015

Você já rebateu um absurdo hoje?


Os tempos de crise são um terreno fértil para os discursos de ódio e apelos autoritários. Confrontá-los no dia-a-dia é uma forma de evitar que se tornem, um dia, projetos reais - por Matheus Pichonelli — publicado 06/03/2015

 
Tenho a péssima mania de responder absurdos com silêncio. Quanto maior o absurdo, menor a vontade de falar. Percebi a gravidade dessa relação porque tenho andado muito quieto ultimamente. A vida em rede me acostumou mal: habituado a conversar com quem já tem uma predisposição em ouvir, aprendi a despejar na internet, não sem certa arrogância, tudo o que tinha vontade de dizer e não disse quando o taxista falou que a cidade só teria jeito quando pegassem o bairro pobre, jogassem gasolina e botassem fogo. Ou quando a socialite levantou a taça de espumante e, com um olho na piscina e outro na bolsa Louis Vuitton, se disse assustada com a calamidade em que vivemos no Brasil.
Tudo começou, acho, na adolescência, quando a vizinha gente-boa levou uma tarde a me desejar boa sorte na minha viagem a São Paulo, onde dali em diante eu passaria a morar e estudar. Atenciosamente, ela me deu um roteiro de passeios, dicas culturas e cuidados na metrópole. Ao fim da conversa, soltou um “só tome cuidado porque é uma cidade infestada por imigrantes, e eles estão acabando com tudo”. Ainda hoje me questiono por que não a rebati, ali, na lata. Foi porque só tinha 19 anos? Por não querer ser indelicado? Para não azedar a boa vizinhança? Mas de que vale ter vizinhos assim, que só te respeitam porque te veem como um igual?
Na conversa, ela me pedia para reparar como os imigrantes de vários sotaques se espalhavam em nossa cidade do interior trazendo sujeira e insegurança. “Em São Paulo é ainda pior”, reforçava. Lembrei que, naquela época, uma série de assaltos a repúblicas estudantis das redondezas era noticiada pelos jornais locais. Pouco depois, a quadrilha foi identificada, e qual não foi o choque quando descobrimos que um vizinho nosso, branco e de classe média, estava envolvido. Na mesma época, acordamos certa manhã de sonos intranquilos com a Polícia Federal à porta do prédio. Os agentes estavam em busca de um morador, querido por todos, que integrava um suposto esquema ilegal de fabricação e comércio de couro. A realidade desmentia a tese daquela senhora que se gabava de ter livros por todo canto de casa, embora não tivesse olhos para entender o mundo para além da própria janela. “A insegurança é sempre o outro”, concluía comigo mesmo, sem jamais dizer nada.
À medida que me adaptava à vida em São Paulo, e aos círculos menos inóspitos da vida universitária, me acostumei a falar em guetos. Neles, enquanto tentávamos entender a lógica da discriminação em um país ainda marcadamente desigual, dividíamos nossas angústias como numa roda de reabilitados. Falávamos da tia racista que achava um absurdo o namoro do artista mulato com a atriz branca. “Preconceito contra eles mesmos”, repetia a parente, para a concordância bovina de todos à mesa.
A sequência era conhecida. “Bons eram os tempos dos militares; tomávamos cascudos, mas andávamos na linha”. “O Brasil é um país de belezas naturais e um povo criado na malandragem”. “Político é tudo igual”. “Virou gay porque faltou chinelada”. “Virou lésbica porque não encontrou o cara certo”. “Ninguém mandou usar saia”. E etc, etc. Nos círculos sociais, lidamos o tempo todo com autodidatas especializados em política e sociedade.
Toda vez que essas conversas reaparecem, é como se eu tivesse a chance de rebater aquela vizinha, já sem as amarras da imaturidade. Dias atrás ela reapareceu em uma conversa num Café decorado e com ar-condicionado. Vestia terno e tinha certeza que o calor tropical inibia a vocação do brasileiro ao trabalho. Exatamente à sua frente, separado apenas por um vidro blindado, um pedreiro se derretia para erguer um muro de tijolo sob o sol a pino. Pensei em apresentar um para o outro, mas, como sempre, calei.
“Deixem falar. São só ignorantes”, dizem os amigos, enquanto guardam os cartuchos para os grandes debates com professores, autoridades públicas, grandes corporações, etc.
A verdade é que nessas manifestações gratuitas de ingenuidade/ignorância não está o exercício saudável do debate. Está a fórmula autoritária de falar e ser ouvido e, se rebatido, correr para a linha segura do tatame com uma velha muleta: “É só a minha opinião, você precisa respeitar”. Confundimos, então, silêncio com respeito, e determinamos arbitrariamente quem merece e quem não merece ser contrariado. Aquela lição canhestra herdada da ditadura, a de que política não se discute, ainda faz estragos: dizer o que se pensa se transformou em uma espécie de pregação a convertidos. Por aqui, debate, conflito e contraponto não sensibilizam consensos, mas melindres. Por isso, e para evita-los, calamos.
Tempos atrás, quando todos pareciam satisfeitos em seus quadrados, essas pontas de fagulha pareciam inofensivas. Agora os tempos mudaram. Em parte devido à conjuntura mundial, em parte devido a apostas equivocadas dos governos locais, em parte devido à insensibilidade para perceber que os modelos se esgotaram, o cobertor se encurtou, as saídas se estreitaram, a crise se avizinhou, o pirão acabou e a primeira reação nesses guetos é garantir primeiro a sua farinha.
Como? Com balas.
Aquele desprezo em relação ao “outro” se transformou em solução para o mundo. “Se ele se beneficiou de uma estrutura que já não me beneficia; se ele quer acesso a um sistema que antes era apenas meu; se ele votou ao contrário das minhas convicções, então não são seus contrapontos que precisamos eliminar; são os seus autores”. Por isso temos assistido a uma escalada assustadora de discurso de ódio e incitação à violência em tempos recentes.
O mundo ficou mais complicado e, à medida que se complicou, se tornou um território propício para associações desastradas de ideias. Elas pipocam o tempo todo em todo canto. Acuados, grupos antes hegemônicos encontraram, nos impasses da crise política e econômica (não necessariamente nessa ordem), pretextos para tirar do armário todo o desprezo guardado por minorias e sistemas de representação democrática – a começar pelo direito ao voto. Erra quem pensa se tratar de uma disputa entre elite e remediados. A disputa é normativa, e leva muita gente das classes menos abastadas a reproduzir absurdos em público – para não dizer criminosos.
Durante a semana, relatei em minhas redes a história de um palhaço (literalmente) que entrou no ônibus de Vinhedo à Unicamp para pedir dinheiro a um projeto social e pregar a palavra do Senhor. A sessão se transformou numa aula de misoginia: o sujeito atribuía à novela a decadência das famílias. Pela sua lógica, os homens andavam violentos porque estavam cansados de serem trocados pela TV. Pior: quando agiam, tornavam-se vítimas de leis como a Maria da Penha. Entre risos e pausas para a reflexão, o sujeito se queixava das aleivosias precoces das meninas, que engravidavam cada vez mais cedo e cada vez mais cedo lotavam hospitais com casos de câncer de mama. Porque o peito foi feito para amamentar, dizia o palhaço, não para silicone. Aquele discurso comum, que vem desde Eva e coloca o homem como vítima de demônios exteriores a ele – a tentação, a opressão da lei, a novela, as saias – é a argamassa da cultura do estupro que tanto refutamos quando ela se manifesta entre os formadores de opinião, sobretudo apresentadores babetas de talk show. É também a argamassa de políticos conservadores que fazem do espaço público uma cruzada para bandeiras medievais. Mas só reagimos quando o estrago já está feito – e a ideia torta de mundo virou projeto de lei ou corrente de Facebook.
Por isso decidi contrapor o palhaço. Disse que ele ofendia as mulheres daquele ônibus ao justificar a violência masculina e ao associar uma doença grave com uma questão moral. Foi chato. Foi duro. Gaguejei. Passei o resto da viagem com os olhares voltados a mim até meu ponto. Mas falei – e só assim o palhaço parou de dizer groselhas no ônibus, e as pessoas pararam de concordar. Ou fingir que concordavam.
Pode parecer uma bobagem (e talvez seja), mas deixar passar a oportunidade de rebater um argumento torto porque a pessoa é ignorante ou mal informada não nos torna respeitosos ao diálogo. Só nos torna coniventes. E arrogantes, porque escolhemos arbitrariamente quem merece ou não ser contestado – e o sujeito humilde, como o palhaço do ônibus, não é menos digno de arremedo do que de pena.
Por isso, amigos, nesses tempos de confusões galopantes e buscas por soluções fáceis, não deixem os absurdos ficarem como a última palavra. Ninguém é dono da verdade, mas quando o absurdo se torna verdade é porque alguma coisa saiu errada. Porque a razão se acomodou no gueto dos entendidos e não quer descer do pedestal. Pois desçam. Ninguém vai matar de raiva ou de fome se, ao defender a limpeza ética dos ditadores, for lembrado que o mais duro dos generais-presidentes adotou a própria neta para estender a pensão vitalícia para a família. E que a farra das pensões de gente graúda pesa mais aos cofres públicos do que qualquer (assim chamada) “esmola”.
Ninguém fará estragos se perguntar ao entusiasta de regimes autoritários qual a vantagem entre poder investigar desvios públicos e não poder – ou levar para o camburão quem ameaçar desobedecer. Ou quais foram mesmo os crimes cometidos por opositores “suicidados” nos porões do regime por terem simplesmente feito o que se faz hoje nas ruas: contestar. Ou qual o país que instituiu a pena de morte e controlou a violência dita “endêmica”. Ou qual o país onde deputados aceitaram propina para colaborar com uma empresa inexistente criada por uma reportagem de jornal (eu conto: a Inglaterra).Também não fará mal a ninguém perguntar onde está escrito na Bíblia que as lâmpadas fosforescentes podem ser usadas contra casais do mesmo sexo. Ou do que exatamente nos defendem os Gladiadores do Altar". Ou questionar quais são mesmo as demandas históricas de brancos e heterossexuais que, acuados pela "ditadura gay", querem sair às ruas para defender direitos que lhe são negados.
São só perguntas, e não podem ofender mais do que o silêncio de quem é diariamente ofendido pelos absurdos que podem ser só absurdos, mas entram na história como a última palavra.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Apresentação - CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2015


Fraternidade - IGREJA E SOCIEDADE

 
“Aprofundar, à luz do Evangelho, o diálogo e a colaboração entre a Igreja e a sociedade, propostos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, como serviço ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus”. Este é o objetivo geral da Campanha da Fraternidade 2015, convidando para sermos uma Igreja atuante, participativa, consoladora, misericordiosa, samaritana. 
Movido por este apelo, o Regional Sul 1 da CNBB do Estado de São Paulo volta para a Assembleia Legislativa, no desejo de contar com os respectivos deputados Estaduais e convida os representantes das arquidioceses e dioceses de todo o Estado de São Paulo a participarem da Sessão de Apresentação na qual irá apresentar o Texto-Base da CF-2015, que tem como lema Eu vim para servir (Mc 10,45) e tema Fraternidade – Igreja e Sociedade. O lançamento ocorrerá no dia 12 de fevereiro de 2015, quinta-feira, a partir das 10 horas, no Auditório Teotônio Vilela na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), localizada na Avenida Pedro de Cabral, 201 - Ibirapuera.
Objetivos específicos – fazer memória do caminho percorrido pela Igreja com a sociedade; identificar e compreender os principais desafios da situação atual; apresentar os valores espirituais do Reino de Deus e da doutrina Social a Igreja, com elementos autenticamente humanizantes; Identificar as questões desafiadoras na evangelização da sociedade e estabelecer parâmetros e indicadores para a ação pastoral; aprofundar a compreensão da dignidade da pessoa, da integridade da criação, da cultura da paz, do espírito e do diálogo inter-religioso e intercultural, para superar as relações desumanas e violentas; buscar novos métodos, atitudes e linguagens na missão da Igreja de Cristo de levar a Boa Nova a cada pessoa, família e sociedade; atuar profeticamente, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para o desenvolvimento integral da pessoa e na construção de uma sociedade justa e solidária.
Cartaz da CF 2015 – retrata o Papa Francisco lavando os pés de um fiel na Quinta-feira Santa de 2014. A igreja atualiza o gesto de Jesus Cristo ao lavar os pés de seus discípulos. O lava-pés é expressão de amor capaz de levar a pessoa a entregar sua vida pelo outro. É com este amor que todo ser humano é amado por Deus em Jesus Cristo. Ao entregar-se à morte na cruz e  ressuscitar, como celebramos na Páscoa, Jesus leva em plenitude o Eu vim para servir (cf. Mc 10,45). A Igreja Católica, através de suas comunidades, participa das alegrias e tristezas do povo brasileiro. O Concílio Vaticano II veio iluminar a missão evangelizadora da Igreja. Evangelizar pelo testemunho, dialogando com as pessoas e a sociedade. No diálogo, a Igreja (as comunidades) está a serviço de todas as pessoas. Ao servir, ela participa da construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária e pacífica. No serviço, ela edifica o Reino de Deus.

 

domingo, 21 de setembro de 2014

6 mitos sobre as eleições no Brasil que muita gente acredita


Olá galera, a reportagem de Beatriz Souza ajuda esclarecer sobre as inúmeras “falácias” do votar em branco ou de anular o voto.

Bom domingo e boa leitura.
 

Beatriz Souza

Exame.com - ‎domingo‎, ‎21‎ de ‎setembro‎ de ‎2014

São Paulo - Se a maioria dos votos de um pleito for nulo, a eleição pode ser cancelada. Só os candidatos mais votados conseguem cadeiras na Câmara. Votar branco ou nulo é uma forma eficaz de protestar contra a política.

Todas as frases acima são falsas e fazem parte dos mitos que circulam sobre o processo eleitoral brasileiro. Veja a seguir a explicação para essas e outras dúvidas que podem confundir a cabeça do eleitor:

Mito - Votar nulo pode anular uma eleição

O que define uma eleição são os votos válidos. Votos brancos e nulos não são considerados válidos e são excluídos da contagem final. Portanto, se a maioria dos eleitores votar nulo, todos estes votos serão desconsiderados e ganhará o candidato que tiver o maior número de votos válidos.

Há uma confusão porque o artigo 224 do Código Eleitoral diz que "Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País naseleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias". Mas a nulidade a que se refere o artigo são de votos fraudados, coagidos ou falsos.

Mito - Só os candidatos mais votados são eleitos

Nas eleições para prefeito, governador e presidente (realmente) é necessário que o candidato tenha 50% dos votos mais um - isto é, a maioria - para ser eleito. Então, o candidato precisa ser o mais votado para vencer.

No entanto, nas eleições para deputados federais, estaduais, distritais e vereadores pode acontecer de um deputado com menos votos ganhar de um mais votado.

Isso acontece porque o mais importante nesse tipo de votação é o total de votos recebidos pelo partido ou pela coligação. Ou seja: quanto mais votos o partido ou a coligação receber, mais vagas na assembleias terá direito. Só então, sabendo quantas cadeiras tem, o partido elege sua lista de candidatos.

Então, se um partido tem um número maior de cadeiras, ele vai ter mais candidatos seus na Câmara mesmo que em outro partido haja alguém que tenha recebido mais votos. O exemplo clássico é o de Tiririca, que em que, mesmo sem estar com seu registro de candidatura como elegível, o candidato possa continuar fazendo campanha. Somente quando houver a decisão final de indeferimento do registro é que o candidato não poderá mais concorrer.

Isso permite que se a situação ainda estiver indefinida no dia da eleição, o candidato pode receber votos e até ser eleito. No entanto, se o registro estiver indeferido, todos os votos concedidos a ele serão considerados (momentaneamente) nulos.

Após as eleições, caso ele tenha o registro aceito em decisão final, os votos concedidos a ele voltarão a ser válidos. Se acontecer o contrário, os votos serão considerados nulos definitivamente.

Mito - Votar nulo é uma forma de protestar contra a política

Há campanhas que pregam o voto nulo como uma forma de protestar contra o descaso dos políticos brasileiroscom os eleitores, no entanto, o voto nulo acaba por facilitar a eleição de candidatos a deputados federais, estaduais, distritais e vereadores.

O número de vagas que cada partido vai ocupar nas câmaras municipais, estaduais e federal é deteminada pelo quociente eleitoral. O cálculo é feito pela divisão total de votos válidos (sem brancos e nulos, portanto) pelo número de cadeiras. Sendo assim, quanto maior o número de votos nulos, menor o quociente eleitoral e menos votos serão necessários para conseguir uma vaga no plenário.

Mito - Ninguém pode ser preso no período eleitoral

De acordo com o artigo 236 do Código Eleitoral, desde 5 dias antes e até 48 horas depois do encerramento da eleição, nenhuma autoridade poderá prender qualquer eleitor. Há exceções para flagrantes e sentença criminal condenatória por crime inafiançável.

Para candidatos, mesários e fiscais de partido, a garantia começa a valer 15 dias antes do dia da eleição. A exceção de flagrante vale para eles também.

Mito - Candidatos podem dar brindes para fazer campanha

O TSE proíbe a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato (ou com sua autorização) de camisetas, chaveiros, bonés, canetas e brindes em geral que possam proporcionar alguma vantagem ao eleitor. O infrator pode responder por captação ilícita de sufrágio (isto é, compra de votos) e por abuso de poder.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

CNBB une-se à sociedade civil por Reforma Política


Durante coletiva de imprensa, que marcou o encerramento da reunião da CNBB, 02/09/2014

Durante coletiva de imprensa, que marcou o encerramento da reunião do Conselho Episcopal de Pastoral (Consep), a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou mensagem sobre a Reforma Política. Os bispos reconhecem que “uma verdadeira reforma política melhorará a realidade política e possibilitará a realização de várias outras reformas necessárias ao Brasil, por exemplo a reforma tributária”.
A CNBB recorda que “várias tentativas de reforma política foram feitas no Congresso Nacional e todas foram infrutíferas”. Diante disso, une-se a outras entidades e ao povo brasileiro na mobilização Reforma Política Democrática no país.

Abaixo, a íntegra do texto:

Brasília, 29 de agosto de 2014


A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, atenta à sua missão evangelizadora e à realidade do Brasil, reafirma sua convicção, como muitos segmentos importantes da sociedade brasileira, de que urge uma séria e profunda Reforma Política no País. Uma verdadeira reforma política melhorará a realidade política e possibilitará a realização de várias outras reformas necessárias ao Brasil, por exemplo a reforma tributária.
Esclarecemos que este Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política não está vinculado a nenhum partido político, tão pouco a nenhum candidato a cargos políticos eletivos, embora não haja restrição do apoio de bons políticos do Brasil.
Várias tentativas de reforma política foram feitas no Congresso Nacional e todas foram infrutíferas. Por isto, estamos empenhados numa grande campanha de conscientização e mobilização do povo brasileiro com vistas a subscrever o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática, nº 6.316 de 2013, organizado por uma Coalizão que reúne uma centena de Entidades organizadas da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Plataforma dos Movimentos Sociais.
O Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática se resume em quatro pontos principais: 1) O financiamento de candidatos; 2) A eleição em dois turnos, um para votar num programa o outro para votar numa pessoa; 3) O aumento de candidatura de mulheres aos cargos eletivos; 4) Regulamentação do Artigo 14 da Constituição com o objetivo de melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, através do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, do Plebiscito e do Referendo, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa.
Durante Semana da Pátria, refletiremos sobre nossa responsabilidade cidadã. Animamos a todas as pessoas de boa vontade a assinarem o Projeto de Lei que, indubitavelmente, mudará e qualificará a política em nosso País. A Coalizão pela Reforma Política e a coordenação do Plebiscito Popular coletarão assinaturas e votos, conjuntamente. Terminada a Semana da Pátria, cada iniciativa continuará o seu caminho.
Trabalharemos até conseguirmos ao menos 1,5 milhões de assinaturas a favor desta Reforma Política. “No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas” (Evangelii Gaudium, 241).
A Nossa Senhora Aparecida, Mãe e Padroeira do Brasil, suplicamos que leve a Jesus as necessidades de todos os brasileiros. E Ele, com toda certeza, nos atenderá. “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).

sábado, 26 de julho de 2014

Sobre política e jardinagem


Rubens Alves ofereceu muitas contribuições a nossa sociedade, esse texto é uma delas. Quero compartilhar como reflexão para este período de campanha eleitoral, e também  para homenageá-lo, por sua “partida”.
Sobre política e jardinagem
Rubem Alves – 2000

Escrevo para você, jovem, para seduzi-lo à vocação política. Talvez haja um jardineiro adormecido dentro de você.
DE TODAS as vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim «vocare”, quer dizer “chamado”. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um “fazer”. No lugar desse “fazer”, o vocacionado quer “fazer amor”com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.
“Política” vem de “polis”, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade, O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.
Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades; sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oásis. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu “o que é política?”, ele nos responderia: “A arte da jardinagem aplicada às coisas públicas”.
O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim, se a sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.
Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor, mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade.
A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.
Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mu1her. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.
Todas as vocações podem ser transformadas em profissões. O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumentem o deserto e o sofrimento.
Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, questionado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: “Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade. Ao contrário dos‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem”.
Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.
Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de ser confundidos com gigolôs e de ter de conviver com gigolôs.
Escrevo para você, jovem, para seduzi-lo à vocação política. Talvez haja um jardineiro adormecido dentro de você. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas são legítimas, se forem vocação. Mas todas elas são afunilantes: vão colocá-lo num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?
Acabamos de celebrar os 500 anos do Descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem.
Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros, mas lenhadores e madeireiros. Foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim, para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde poucos encontram vida e prazer.
Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, em vez de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores em cuja sombra nunca se assentariam.

Rubem Alves- educador, escritor e psicanalista, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas. É autor de “Entre a Ciência e Sapiência: o Dilema da Educação” (Edições Loyola), entre outras obras.

domingo, 4 de maio de 2014

Dom Tomás Balduíno, doutor da fé

por Marcelo Barros

Nosso profeta foi para o céu. Essa pode ter sido a reação espontânea de muitos irmãos e irmãs, companheiros de caminho de Dom Tomás Balduíno que, ao longo da vida, sentiram-se ajudados e estimulados por ele a seguir Jesus Cristo e a testemunhar no mundo o projeto divino de justiça e paz. Principalmente os índios e lavradores, povo da predileção do coração de Dom Tomás, podem hoje sentir-se órfãos pela partida de alguém que a eles serviu desde a juventude até o seu último suspiro aos quase 92 anos. Entretanto, tantos eles como nós que convivemos mais profundamente, ao longo dos anos, com esse verdadeiro pastor da Igreja, choramos a saudade de sua presença visível, mas nos consolamos por tantos exemplos e ensinamentos que ele nos deixa como grande profeta de uma Igreja renovada e renovadora a serviço de um mundo mais justo e de uma humanidade mais irmã.
Tive a graça de Deus de conviver com ele e, por um bom tempo, morar na mesma casa. Fui seu amigo e assessor desde 1977 até agora, quando a sua partida nos separou. Ainda há poucos dias, conversávamos sobre como apoiar a renovação da Igreja proposta pelo papa Francisco e ajudar as Igrejas locais a assumí-la. Assim como Dom Hélder Câmara, no Brasil, Dom Oscar Romero, em El Salvador e Dom Samuel Ruiz, no sul do México, Dom Tomás soube revitalizar a missão do bispo como  profeta da Palavra de Deus para o mundo. Para os oprimidos do mundo, ele foi realmente, como escreveu o profeta João no Apocalipse: “irmão e companheiro nas tribulações e no testemunho do reino” (Ap 1, 9).
Exatamente, por essa sua compreensão da fé e do ministério episcopal, Dom Tomás tornou-se mesmo para não crentes testemunha autorizada de Jesus, ilustre doutor da fé e de uma espiritualidade libertadora. Ele nunca restringiu sua missão ao âmbito da Igreja. Soube sempre ser uma presença de irmão e companheiro solidário com as lutas sociais do povo, aliado incondicional dos lavradores e dos índios na sua legítima e evangélica luta pela terra e por uma vida digna. Com 85 anos, Dom Tomás participou comigo da delegação brasileira que se reuniu na Bolívia com militantes sociais e intelectuais de todo o mundo para recordar a figura de Che Guevara no 40º aniversário de sua morte em Valle Grande, Bolívia. Um ano depois, viajamos juntos a Caracas, como observadores internacionais das eleições presidenciais da Venezuela. E até o fim de sua vida, sua palavra profética foi sempre de apoio claro ao caminho bolivariano que aquele povo irmão, com tanto esforço e incompreensões, empreende. Sua voz forte e clara ressoou em todos os continentes. A todos ele deixa um testemunho de coragem, confiança no futuro e opção pela justiça e pela paz.

A tendência natural é que as pessoas sejam mais abertas e livres quando jovens. À medida que a idade vai chegando, se tornam menos livres e mais conservadoras. É verdade que, hoje, em certos ambientes do clero e de algumas congregações, encontramos jovens mais conservadores e preocupados com a lei do que a geração mais velha. Mas, isso não é natural. Tem razões e explicações mais estratégicas e menos espirituais. Não tem nada a ver com o que Deus fez acontecer na vida de profetas como Dom Hélder Câmara e Dr. Alceu Amoroso Lima ou do papa bom João XXIII que, quanto mais idosos, mais se abriram interiormente. Eles souberam renovar-se permanentemente. Quanto mais idosos, mais se tornaram homens livres e testemunhas da liberdade do Espírito. Dom Tomás percorreu esse processo espiritual e humano. Nesse caminho, agora, do céu, ele nos convida, a prosseguir e a aprofundar sempre a mística do reino de Deus e vivê-la no compromisso social e político junto com os empobrecidos e pequeninos desse mundo. A essas alturas, Tomás já ouviu de Jesus, seu mestre, a palavra esperada: “Muito bem, servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor” (Mt 25, 21). Dom Tomás, doutor da fé e profeta desses tempos conturbados, rogai por nós. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Violência contra a Mulher: Não mate o direito de ser feliz

Assim como Luciana Santos e tantas outras pessoas, também me sinto indignado com os resultados apresentados, pois eles nos remetem a dura realidade que o outro é o outro, quando este outro e outra deveriam ser a imagem e semelhança de Deus... A muito para “encontrarmos” a “terra prometida”, mas há muito que ser feito neste caminho.
 
Por Luciana Santos
        Neste mês de março, que já está chegando ao fim, realizamos uma verdadeira maratona pelo estado de Pernambuco conversando com as pessoas, nos mais diferentes lugares e Instituições, sobre os direitos das mulheres e a necessidade imperiosa de darmos um basta à violência contra a mulher. Quase chegando ao fim do nosso roteiro de 65 atividades pela desconstrução da cultura do machismo recebo o resultado da pesquisa divulgada nesta quinta-feira (27) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 
      De acordo com o estudo 58,5% dos entrevistados concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". O levantamento diz ainda que 65,1% concordam inteiramente (42,7%) ou parcialmente (22,4%) com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". É chocante!  Em que mundo uma pessoa pode achar que outra MERECE ser estuprada por qualquer que seja a razão?!
        Os números não são exatamente inesperados. Sabemos da grande carga cultural que envolve as questões que dizem respeito à mulher, mas olhar a estatística nos dói de uma maneira diferente.  Essa inversão de papéis entre agredidas e agressores não pode mais ser tolerada. É preciso combater a cultura do machismo que responsabiliza a mulher pela brutalidade, pela ignorância e pela violência.  Essa cultura que desrespeita a mulher em seu lar, em seu trabalho e na rua está na base de uma sociedade que não pode avançar para o caos, onde não há fraternidade, onde não solidariedade, onde não há justiça. Não é esse mundo que queremos!
        É preciso que cada um de nós, homens e mulheres, dediquemos um minuto que seja do nosso dia para pensar nessa escalada da violência contra a mulher. Precisamos perguntar a nós mesmos se uma pessoa quer ou merece ser vítima de uma agressão. Pensar no horror de um estupro. Pensar na dor de uma bofetada. Pensar no que se perde em cada vida sacrificada em nome do sentimento de posse e do senso comum do “não é comigo”. Um minuto dedicado a pensar se nós, nossas mães, irmãs, esposas, companheiras, namoradas, amigas, filhas... se essas mulheres merecem a dor, a humilhação e o sofrimento pelo simples fato de reivindicarem o direito de estar viva e de conviver em sociedade. 
        Os números são o retrato de uma realidade muito triste e cruel. Eles confirmam que ainda há muito trabalho a ser feito, o que para mim aumenta a responsabilidade e a força para persistir na luta. A cada mente conquistada uma vida pode ser poupada. É com esse pensamento que reforço, a cada homem e cada mulher, a relevância de sua participação nessa luta. Mudar as coisas, construir um mundo de justiça e igualdade social depende de nós, de nossa força, de nossa capacidade de não desanimar diante dos desafios.
        Nenhuma mulher pede para ser estuprada. Nenhuma! Nenhuma mulher pede para ser agredida. Nenhuma! Nenhuma mulher merece a violência. Nenhuma! Renovemos nossas forças, ergamos alto a nossa voz, sigamos juntos pelo fim da violência e defendendo até o último minuto o direito de cada mulher desse planeta a liberdade, ao respeito e a felicidade.
Luciana Santos é deputada federal e vice-presidenta do PCdoB