Na história do processo
democrático latinoamericano encontra-se um dado comum e preocupante. Vários
países exibem, ao mesmo tempo, um (a) Presidente popular e progressista ao lado
de um Parlamento conservador ou retrógrado. Na raiz dessa constante poderíamos
encontrar uma explicação no que Maria Isaura Pereira de Queiróz e José de Souza
Martins chamam de “messianismo político”. Este muda de grau e de tonalidade,
mas em seu conteúdo e forma, repete-se ao longo da trajetória acidentada do
continente.
Isso quer dizer que as eleições
com frequência revelam uma espécie de esquizofrenia: enquanto a população em
geral tende a eleger um “salvador da pátria” na pessoa do mandatário máximo, as
oligarquias costuram alianças para formar senadores e deputados que deverão
defender seus interesses e/ou privilégios. Em alguns casos a dicotomia é
flagrante. Na emoção e expectativa da mudança, o povo concentra sua esperança e
suas energias sobre a figura do líder, ao passo que as classes dominantes,
calculada e matematicamente, preparam, em surdina ou ao à luz do dia, uma
maioria decisiva e decisória.
Semelhante descompasso resulta na
cristalização ou congelamento do status
quo, em detrimento de um programa de mudanças urgentes e necessárias. A
expectativa levantada com a eleição de um “messias” costuma ser infinitamente
superior à capacidade de organização dos que o levaram ao poder. A capacidade
real de tomar decisões por parte do poder Executivo debate-se com as forças
contrárias dos outros dois poderes: Legislativo e Judiciário. O resultado são
os constantes entraves, impasses e constrangimentos no interior do exercício
democrático, além da prática do “toma lá dá cá” e do tráfico de influências.
Evidente que neste clima há terreno fértil para a corrupção e o balcão de
negócios.
Não poucas vezes o processo
eleitoral expõe de maneira nua e crua essa dicotomia. Por um lado, as pesquisas
da mídia e o trabalho do marketing convergem câmeras, holofotes e microfones
para a eleição dos cargos majoritários (Prefeito, Governador e Presidente); por
outro, nos bastidores ocultos das luzes e cores do cenário político, crescem as
candidaturas dos cargos legislativos (vereadores, deputados e senadores). Não se
trata apenas de descompasso, mas de um conflito que reflete e traduz um jogo de
interesses da própria sociedade. A população centra o olhar no trono mais
elevado, mas os representantes dos setores que detêm a riqueza e o poder o
centram nas cadeiras da Câmera e do Senado. Sabem que estas, em última
instância, é que elaboram as leis. Resta ao soberano, no exercício do mandato,
o apelo às Medidas Provisórias, o que contrasta com o a prática genuína da
democracia.
Em síntese, o “messias” encarna o
governo, mas os parlamentares e juízes dominam as forças do Estado. Este não é
um tigre, com suas acrobacias rápidas e flexíveis, e sim um elefante pesado,
cuja burocracia requer muito tempo para completar um passo à frente. O Estado
tende mais à inércia do que ao movimento. Disso resulta a decepção com
presidentes que, supostamente, foram eleitos para efetuarem mudanças rápidas,
as quais, de resto, fazem parte do cardápio de suas promessas. Numa palavra,
não é o “messias” que põe a história em marcha, nem o paquiderme dos três
poderes da união. Como a flor, a espiga e o edifício, as mudanças históricas se
levantam do chão.
Talvez isso ajude a entender a
trajetória de Lula, de Lugo e de Cristina, respectivamente no Brasil, Paraguai
e Argentina. Mas não só!
Pe. Alfredo J. Gonçalces, CS