Por Paulo Moreira Leite
Desde janeiro
de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da
VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que
era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
SGeral: publicado em 23/06/2013
O debate em torno da PEC 37 ocorre num momento
especialmente instrutivo para quem se preocupa com a preservação das
instituições democráticas.
A PEC, nós sabemos, pretende garantir exclusividade
às forças policiais no trabalho de investigação criminal.
Só para você ter uma ideia do que está acontecendo.
Dias atrás, tivemos um mutirão de 158 promotores. Os
jornais e emissoras de TV disseram que sua finalidade era combater a corrupção.
O próprio Roberto Gurgel, procurador-geral da República, deu um esclarecimento
em outra linha: "O MP está mobilizando a sociedade no sentido de mostrar
que o que se deseja com a PEC 37 é concentrar as investigações num único órgão
do Estado, a Polícia. É um retrocesso gigantesco para a persecução penal e para
o combate à corrupção.”
É grotesco.
O procurador-geral admite que o Ministério Público
fez prisões e operações de busca com a finalidade de fazer propaganda de um
ponto de vista político e pressionar o Congresso. O Estado de S. Paulo, o mais
antigo dos grandes jornais do país, diz que é isso mesmo – e critica Gurgel, em
editorial. “Se fosse apenas uma demonstração de eficiência dos
Ministérios Públicos (MPs) estaduais e da Procuradoria-Geral da República no
cumprimento de suas atribuições funcionais, o mutirão contra a corrupção -
integrado por 158 promotores - mereceria aplauso. Infelizmente, porém, ele foi
realizado com propósitos corporativos e políticos.”
Disse ainda o jornal: “Mais do que um ato de
protesto, essas operações midiáticas são uma verdadeira tentativa de retaliação
contra políticos, por parte do MP.” É isso, meus amigos: “uma tentativa de
retaliação contra políticos.” Quem quer retaliar os políticos? Até onde eu sei, quem faz isso é o eleitor, em urna.
Retalia quem não gosta, promove quem agrada e dá uma chance a quem levanta
esperanças. Fazemos isso pelo voto em urna, soberano, origem dos poderes da
nação.
É assim nas democracias, o pior regime que existe
com exceção de todos os outros.
Vamos pensar um pouco mais. Nesta operação exemplar,
tivemos dezenas de prisões, operações de busca, e até dois parlamentares
paulistas com seus telefones grampeados, em algo que é uma campanha marketing.
Não se iluda. Em poucos dias, o saldo dessa operação de “demonstração” estará
nos jornais, um punhado de políticos será acusado a partir de informações
vazadas e o país estará estarrecido diante de mais um escândalo.
Sei que a corrupção existe e que é preciso que seja
punida e investigada. Mas a perseguição política não leva a parte alguma. Seleciona
alvos, define adversários e escolhe suas vítimas ao sabor de opções que não têm
caráter técnico. Só para dar um exemplo, que todos podem lembrar: não
é curioso que o celebre mensalão mineiro, pioneiro e original, iniciado nas
eleições de 1998, só tenha sido investigado anos depois que se apurou o
mensalão petista? E não é curioso que até ministros admitem que o interesse da
imprensa – uma instituição privada, com interesses próprios e visão política
própria – tenha interferido nesse comportamento? Não se deve
generalizar uma discussão que não tem mocinhos nem bandidos, mas é preciso
entender o principal: estamos assistindo a uma disputa de garantias
constitucionais e direitos democráticos. Este é o debate em torno da PEC 37.
Não sou em
quem diz isso, mas a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, que acaba
de criar uma Comissão de Defesa da Constitucionalidade das Investigações
Criminais. Procurando esclarecer as coisas, o advogado Marcos Costa, presidente
da OAB-São Paulo apoia a PEC 37 e explica, em entrevista ao Estado de S. Paulo
de hoje: "A PEC
não quer restringir os poderes do Ministério Público, cujo papel é
relevantíssimo e está claramente estabelecido pela Constituição Federal de 88.
Na verdade, propõe restabelecer a imparcialidade na fase de investigação,
segundo a qual a Polícia Judiciária (Civil e Federal) investiga, o Ministério
Público denuncia, a Advocacia faz a defesa e o Judiciário julga." Para Costa, "quem acusa não pode comandar a
investigação, porque isso compromete a isenção, quebra o equilíbrio entre as
partes da ação penal".
A PEC 37 devolve à polícia o direito de investigar
uma denúncia criminal. Já ao Ministério Público caberia determinar a
abertura de uma investigação e apresentar uma denúncia à Justiça, se for o
caso. Por quê? Como ensina o mesmo Estadão: “No Estado de Direito, quem
acusa não deve ter a prerrogativa de investigar, sob pena de se pôr em risco o
devido processo legal e ferir liberdades públicas e individuais.”
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